Estudo sobre Maurice Merleau-Ponty (1908 -1961)

 

Nascido na cidade francesa de Rocheford -Sur- Mer onde passou a infância juntamente com um irmão e uma irmã.

De 1926 a 1930 estudou filosofia em Paris. Em 1949, começa a lecionar na Universidade Sorbonne, obtendo a cátedra de professor de Psicologia da criança e Pedagogia. Em 1952, ao assumir a cadeira de Filosofia no Collège de France, pronuncia a aula inaugural com o tema Elogio da filosofia.

A trajetória da filosofia de Merleau-Ponty vai da fenomenologia à ontologia. Onde parte de Descartes para explicar o Cogito cartesiano, sendo este explicado como o não nascimento do idealismo (o sujeito pensante e suas idéias como fundamento de todo conhecimento), mas sim como a descoberta do domínio ontológico (estes objetos que são as evidências matemáticas que remetem a este ser que é o meu pensamento). Ou seja, o Cogito desvaloriza a percepção de um outro, ele me ensina que o Eu só é acessível a si mesmo, assim sendo, Merleau-Ponty pensa que a própria experiência das coisas transcendentes só é possível se trouxermos e encontrarmos em nós mesmos seu projeto. Neste caso, as coisas transcendentes são algo que não possuímos, que não as percorremos. Assim, as deixamos na ignorância, onde afirmamos cegamente sua existência. Desta forma, se somos capazes de reconhecer a coisa, é porque despertou em nós um contato efetivo, onde as nossas percepções finitas e determinadas nos mostram manifestações parciais de um todo do outro, do mundo.

       Merleau-Ponty é considerado como um dos herdeiros da fenomenologia de Husserl. Não vai considerar a consciência como algo puro, distanciada do mundo. O mundo é o meio de realização da consciência.

Merleau-Ponty entende que a consciência não é consciência sozinha e critica a idéia de que é produto de alguma coisa, na medida em que esta afirmação exige uma experiência.

        A preocupação em vincular a consciência a um corpo faz com que à relação do interior e do exterior,ou do objetivo e do subjetivo, seja tratada de diferentes ângulos e em diferentes situações ao longo de suas obras.

Vai contra ao interesse filosófico que se voltaapenas para o mundo pensado ou idealizado, e não para o vivido afirmando que “Vemos as próprias coisas, o mundo é aquilo que vemos” (VI, p.17), considerando o conhecimento direto da realidade vivida, original e espontâneo como ponto de partida para todos os outros conhecimentos (científico ou filosófico).

Merleau Ponty centraliza a sua obra na percepção, que considera a porta de entrada e de saída para o mundo exterior, definindo que todo conhecimento presente na nossa consciência passou primeiro pelas portas da percepção. A percepção é o campo da revelação do mundo – campo de experiência – não é um ato psíquico. A percepção é o campo onde se fundem sujeito e objeto.

Assim o pensamento Merleau-pontyano procura superar o dualismo entre o sentir e o entender, defendendo a interação entre ambos. Numa relação de conhecimento, é necessário um mergulho no “sensível”, unindo o sujeito que conhece ao objeto que é conhecido.

Para Merleau-Ponty, é através e a partir do corpo que se estabelece a nossa existência no mundo “o corpo é a figura visível de nossas intenções” (I p.403). Assim, mesmo ao falar da consciência, parte primeiramente do mundo da percepção. O movimento do corpo desempenha um papel original em relação ao objeto do conhecimento, pois o mundo precisa estar em torno de nós não como uma síntese, mas sim, como um conjunto aberto de coisas onde nós nos projetamos. Sendo este projeto um ato, onde a fala é a ligação entre o pensamento e a consciência.

Insiste na reabilitação do sensível. Recolocandoo pensamento numa existência pré-reflexiva, introduzindo como base o mundo sensível, tal como ele existe para o nosso corpo. A sensação não pode ser estudada por meio de um juízo intelectualTudo o que teoricamente se afirma a respeito da sensação tem sido uma construção acerca dela, e não a descrição dos fenômenos tal como eles ocorrem.Normalmente atribui-se a consciência a capacidade de explicação dos fenômenos da sensação de maneira clara e distinta. Entretanto, tudo aquilo que a consciência possui sobre a percepção, ela retira do percebido.

Merleau-Ponty retoma a crítica husserliana a Descartes e Kant, que diferenciam sujeito e objeto e para quem as relações não são bilaterais, mas o mundo é reconstruído pelo sujeito. Ao contrário dessa forma de pensar, defenderá a idéia de que homem é mundo e o mundo é homem, o homem faz parte do mundo e vice-versa.

Merleau-Ponty afirma que na nossa ação cotidiana os atos inconscientes predominam sobre os conscientes, e toda atividade, reflexiva ou não, tem como fundamento a percepção do mundo. Apreendemos o mundo sem necessidade de problematizá-lo ou refletir sobre ele, nem sempre estamos refletindo sobre os nossos atos e sobre o mundo em que vivemos. 

A primeira vista, a obra de Merleau-Ponty sugere que há duas formas de consciência: a filosófica e a perceptiva. Porém explica que “não há duas espécies de conhecimento, mas dois diferentes graus de classificação do mesmo fenômeno” (PP,p.132).

         A percepção não é um objeto tardio para consciência, ela é a forma originária a primeira do conhecimento. O percebido se transporta para uma consciência que, quando em estado de alerta, dá conta de sua manifestação. Toda percepção ocorre numa atmosfera difusa e escapa ao controle do sujeito por ser uma expressão de uma situação dada.

Merleau-Ponty diz que: “todo o pensamento de algo é ao mesmo tempo consciência de si, na falta do que não poderia ter objeto” (p.496). Desta forma, somos nós que atribuímos como meta o pensamento. A direção que este pensamento nos guia lança a nossa autonomia. Se pensarmos, pararmos e voltarmos a pensar reviveremos e reconstituiremos este pensamento, assim, nós iremos nos apoiar em nós mesmos nestas diversas representações de reconhecimento, transformando-nos assim em seres absolutos. Porém, precisamos reconhecer que as nossas relações com as coisas não podem ser relações externas e nem a nossa própria consciência de nós mesmos, e só iremos perceber o mundo, neste caso a percepção, se estes forem pensamentos nossos. Com isso, a percepção e o percebido têm necessariamente a mesma modalidade existencial.

Para o filósofo, o mundo vivido nunca é inteiramente compreensível, isso porque se a consciência constituísse o mundo que ela percebe, então não haveria distanciamento entre ela e o mundo percebido, como o mundo é inesgotável para a nossa consciência, sempre haverá um saber latente, secreto, além da nossa percepção. Assim, os objetos não nos são dados por inteiro; nós os vemos por perfis: uma parte se manifesta enquanto outra se esconde numa relação figura e fundo. Apesar disso, nossas sensações se dão numa configuração global: ver é tocar, ouvir é ver, tocar é ver. Há uma unidade dos sentidos; eles se comunicam.

Como não existem sensações puras, somos assediados no mundo vivido por um turbilhão de sensações que interagem entre si.

Merleau-Ponty quando se refere à sensação, diz que esta é reduzida a si mesma e que o erro é uma interpretação transcendente do juízo. Pois a interpretação das sensações deve ser motivada e esta somente será através da própria estrutura que nós temos em relação à configuração dos fenômenos. “A consciência que tenho de ver ou de sentir não é notação passiva de um acontecimento psíquico fechado em si mesmo, e que me deixaria incerto no que concerne à realidade da coisa vista ou sentida” (p.503).

Não sendo o corpo apenas uma união de órgãos justapostos, como quer certa fisiologia, pode-se falar nos sentidos traduzindo-se um no outro, para além da necessidade de serem especificados pela consciência. O corpo permite que haja conexões entre os campos de sensitividade.

Há uma espontaneidade no corpo que perpassa também do mundo existencial. Os atos, os gestos, as palavras não seriam possíveis se a cada momento tivéssemos que pensá-los antecipadamente; eles ocorrem de maneira espontânea, sem seguir qualquer ordem reflexiva.

O movimento do corpo para Merleau-Ponty desempenha um papel original em relação ao objeto do conhecimento, pois o mundo precisa estar em torno de nós não como uma síntese, mas sim, como um conjunto aberto de coisas onde nós nos projetamos. Sendo este projeto um ato, onde a fala é a ligação entre o pensamento e a consciência.

Em relação ao comportamento do ser humanodeve ter uma intenção, um sentido; que para conhecê-lo é necessário compreender o seu significado, um fundamento, que Ponty acrescenta como essência contida na existência. A essência passa ser vista como um horizonte para onde nos dirigimos. Considerando necessário buscar o sentindo para que a ciência interrogue qual é o seu objeto e para onde ele vai.

Merleau-Ponty descreve diversas experiências registradas pela psicologia acerca de manifestações corporais como fadiga, doença e até experiências estéticas, em que as limitações corpóreas são superadas por um novo significado. Ao descrever essas experiências, o filósofo busca em nossa vida a base empírica necessária para contestar o dualismo cartesiano corpo-alma que, num organismo integrado, segundo ele, não podem ter identidades separadas. O corpo é visto como natureza cultura (pois o homem ultrapassa a fronteira do animal, institui níveis da ordem simbólica, transforma o mundo, cria e recria culturas). Há no corpo este entrelaçamento, pois os gestos mais simples como um sorriso, alegria, tristeza etc. são tanto naturais quanto culturais.

À primeira vista pode-se pensar que o corpo adquire hábitos através de inúmeras tentativas e que, a partir de então, agirá cegamente e somente em condições especificas. Merleau Ponty afirma o contrário: o hábito serve para mostrar que o corpo “aprende”, “reflete” e que tal fato não pode ser explicado como uma operação da inteligência ou como um automatismo corpóreo. Vemos que o hábito inicia uma operação que é chamada de existencial, isto é, ao mesmo tempo corporal e espiritual.

Merleau-Ponty desenvolve estudos referentes à“linguagem” que têm como princípio tratá-la como uma modalidade do corpo. Sendo extensão do corpo, ela faz parte do mundo da experiência e é, portanto, considerada como um comportamento em grau mais elevado “a linguagem é, pois, esse singular aparelho que, como nosso corpo, nos dá mais do que nele pusemos”. Com isso, as palavras “praticam no meu universo privado fissuras por onde entram outros pensamentos” (S, p.298). As palavras escolhidas ou rejeitadas e as conseqüências de sua presença ou ausência na cadeia verbal é que darãoo sentindo final à comunicação. Assim, para o filósofo a linguagem não se restringe somente a expressão verbal; tem um sentido muito mais amplo.As palavras, ao saírem de seu estado neutro de dicionário e ao dependerem do contexto em que foram empregadas, passam a expressar valores, idéias e até ideologias.

No pós-guerra, Merleau-Ponty retoma características de uma filosofia da existência que coloca o homem na concretude do mundo dos viventes comuns, coloca que o homem nunca é totalmente livre porque é um ser-em-situação; está envolvido com o mundo, sua escolha se dentro de um meio sobre o qual não tem total poder de controle. Não se pode, portanto, falar em uma escolha totalmente consciente; uma bagagem inconsciente está sempre presente nos atos. Aliberdade, portanto, não pode ser total, fruto de uma consciência pura que nos propiciaria escolha absoluta. Não sendo também, nula, como se estivéssemos atados a um determinismo a semelhança das coisas. Ela se realiza em um campo dialético onde os opostos são assumidos numa tensão nunca plenamente resolvida, seja em direção ao determinismo seja em direção ao livre arbítrio.

O filósofo define a existência como a possibilidade de superar a situação de fato, dando-lhe uma nova dimensão. O homem é capaz de revolucionar a cultura criada por ele mesmo, substituindo-se por outra. Para Merleau-Ponty “se há uma verdadeira liberdade, ela só pode existir no percurso da vida, pela superação da situação de partida e sem que deixemos, contudo, de ser os mesmos – eis o problema” (SnS, p40). 

 

(Do Carmo, Paulo Sérgio. Merleau-Ponty uma introdução. São Paulo, educ. 2004). 

 

Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Martins fontes, 1999.